[...]"Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis."
Caio Fernando Abreu
Caio Fernando Abreu
Isso que você fala.
O que eu falo não tem o gosto amargo da ressaca para esquecer, porque o que eu falo não foi feito para esquecer. Foi feito para acordar e lembrar, almoçar e lembrar, chegar de um dia cinzento e lembrar, deitar e, antes de adormecer, lembrar. O que eu falo não foi feito para esquecer, assim, entre todas as outras coisas. Foi feito para lembrar sempre.
Não, o que eu falo também não faz chorar(com exceção de você). Não de tristeza. O que eu falo é para sorrir. Sorrir apesar da praia com chuva, do calor que derrete até a paciência, do trânsito que não vai te deixar chegar na hora, do trabalho que não vai ficar pronto a tempo. O pai reclama, a mãe resmunga o seu mau humor, a irmão implica, batem a porta na sua fuça e você desenha um sincero sorriso no rosto. Deixa que a lágrima escorra sim, mas que o faça entre os dentes, em meio de uma feliz parábola de lábios. Assumindo, a cena, um tom que provoca os olhos ranzinzas. Que provoque! O que eu falo só quer sorrir.
O que eu falo não tem essa sua insegurança. Esse seu medo do depois. O que eu falo é abraço - seguro, firme e fechado. Quatro braços, um abrigo. O que eu falo não tem brechas para a mentira. Mas você não precisa vir dar um nome ao que eu falo. O que eu falo não nasceu feito criança boba, esgoelando-se por um sentido para ter vindo ao mundo. Nasceu porque não tinha outra escolha que não nascer. E já. Nasceu do silêncio, do que sinto. Como se o simples existir já explicasse o próprio existir. Ouso pedir ainda que esqueça um pouco essa da morte nos separar, de um ficar com a parede e outro com a porta, de um roncar demais, de eu precisar de um anel nosso ou de a gente precisar explicar alguma coisa a alguém. Isso fica para as coisas que constam nos dicionários, que passam por reformas ortográficas. O que eu falo não. Porque o que eu falo não tem nome e não tem porque não precisa.
O que eu falo vive do agora. Do gosto que fica. Que pode ser que dure para sempre, como gostam de prometer por aí, mas também pode ser que não. O que não pode mesmo é você achar que isto é igual a isso que você pensa. Não, não. Isto é outra coisa.
E faz um bem que você nem imagina.
14 comentários:
huuuuuuuuuuuuuuuuuum
do provando teu texto..cada letra, cada sentido.e é bom!
acho que sei do que se trata.
Flores
Cara, como é gostoso ler tua escrita. Fui me empolgando aqui e, sem dúvida, leria mais um conjunto de n parágrafos se ainda tivesse.
O ritmo adquirido por causa da sequencia de verbos de ação e até pela sequencia de exemplos de situações não deixa o texto ficar chato.
E, como é de minha preferência, usar palavras simples (nada de barroquismos) é uma maneira que melhora ainda mais o texto.
Geralmente leio blogs apenas com os olhos, mas teu texto eu precisei(!) ler em voz alta, não dava para não ouvir de tão bom.
Desculpa se exagerei nos elogios, mas pode ter certeza de que se eu não tivesse gostado eu dizia numa boa.
www.euthiagoassis.blogspot.com
Você também não imagina o bem que me faz... Os seus textos, as besteiras do dia-a-dia, a sua 'companhia'. Ansiosa pra te ver chegar *-* Te amo demais, Will! Demais.
Will você sempre com essas suas escritas complexas para mim,um leigo, mas que me fazem um bem danado. Adoro de mais o seu blog Will.
Abraços
Realmente há coisas que não se falam, pois não existem palavras para expressar.
Este é um dos textos seus que mais gostei.
Lindo!
Um beijO de Cah
"Sempre com essas suas escritas complexas." Bem disse o Juliano.
Mas toda essa complexidade tua, cabe em poucas letras, no teu nome. Todo esse escuro que tenta passar, na verdade, é só para esconder a pureza que tem por trás da alma.
Um beijo, Will.
Ah, você mudou o layout de novo, não? Eu gostei. :)
Bacana!
olá
o doavessodoavesso vai fazer dois anos dia 19.10 e vc fez parte dessa história...
volte lá e comemore comigo!
:P
abração e obrigado
>>
O que eu ‘falo’ ante essa sua escrita tão peculiar, Will?
Não vou citar trechos do seu texto pois o ‘descompletaria’. Tentei traduzi-lo ao meu idioma materno, terno. Deu certo, eu acho. O texto está mais no leitor do que no escritor – as interpretações podem divergirem, isso é algo próprio da escrita.
Sei que para traduzir algo faz-se necessário entender o que se é falado/escrito, mas há situações em que a tradução procede d’alma, como num ato transcendental. Dom. Está além do que somos ou podemos ser. É quase que surreal. E esse é o poder da escrita.
Continue escrevendo, e sempre que eu puder, voltarei no ‘Conversa Emprestada’.
Ósculos e amplexos.
Sócio, belíssimo. Pessoal? Passional? Ficou lindo, cara. Digno do Caio que você citou.
É meu sócio e não é a toa.
Abração!
"O que eu falo é abraço - seguro, firme e fechado. Quatro braços, um abrigo."
marcante!
abraço
www.caisdalingua.blogspot.com
Demorei um pouco pra vim aqui, mas é incrível, toda vez que eu venho fico de queixo caído.
Eu não sei dizer, é uma simplicidade dizendo uma profundidade que acho que não encontro em outro lugar.
Muito lindo Will. E falou de coisas minhas até que nem eu sei dizer assim, com tanta exactidão.
Beijos!! <3
São poucas as pessoas que realmente entende o que dizemos.
lindo
bjo
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